Cigarra do Meu Sertão
Rogaciano Leite
(Ao poeta Carlyle Martins)

Se eu deixar de cantar morro de fome,
Que a cantiga é meu pão de cada dia!
Olegário Mariano

Eu te bendigo, ó cigarra,
Que passas o dia inteiro
Na folha do marmeleiro,
Cantando assim, sem parar…
Tu és a cigarra-moça
E eu sou homem-cigarra!
Vamos viver nessa farra,
Vamos morrer de cantar!

Trancada em sua avareza
A formiga ambiciosa
Só te chama de “preguiçosa”,
Só te trata com desdém;
Mas não vê que o seu ofício
Consiste em picar as plantas…
Enquanto tu cantas, cantas
Sem fazer mal a ninguém.

Mas não és só tu, amiga,
Que sofres estas censuras:
Também muitas criaturas
Andam falando de mim…
Falam de mim porque canto
Nas cordas desta viola
Quem me punge e me consola,
Que me faz feliz assim!

Mas não tem nada, cigarra!
Cantemos sempre... cantemos,
Porque só nós conhecemos
O valor de nossa voz!
Enquanto eu vibro a viola
Tu canta lá pela serra,
Matando as dores na terra
Que choram dentro de nós!

És a minha companheira,
Eu sou o teu companheiro,
Cigarra do meu terreiro,
Piano do meu oitão!
Vamos viver sempre juntos,
Nesta vida ingênua e calma,
Cantando com as vezes da alma
Na boca do teu coração!

Oh! Como és grande, cigarra,
Na tua simplicidade!
Nunca viste uma cidade,
Nunca foste à Capital…
Como és feliz no destino,
Dessa tua vida incerta,
Divertindo o vegetal!

És a nossa alma escaldada
És a encarnação divina
Dessa gente nordestina
Que sofre sem reclamar…
Te acostumaste ao sol quente,
Ao rigor da Natureza,
Nunca invejaste riqueza,
Não queres mais que cantar!

Quanto mais o sol te queima,
Quanto mais a terra esquenta,
Mais tua alegria aumenta…
— Cantar é o destino teu!
Não temes a ventania,
Não estranhas a secura,
Oh! como é grande a bravura
De quem no sertão nasceu!

Canta, cigarra estridente,
Companheira alegre e forte!
Cantora filha do Norte,
Nortista do meu amor!
Acompanha essa viola
Que soluça nos meus dedos
Traduzindo meus segredos
Cantados da nossa dor!

Quando tu cantas, cigarra,
Nas horas do Meio-Dia,
Tu sentes mais alegria,
Tu ficas mais juvenil!
Também tocando a viola,
Perdido num doce harpejo,
Eu fico mais sertanejo,
Mais filho do meu Brasil!

Oh! Cantemos, minha noiva,
Minha querida cigarra!
A nossa vida é bizarra,
Não devemos definhar…
Vamos provar, conterrânea,
Que o povo humilde do Norte
É pobre… mas é tão forte,
Que sofre… e vive a cantar!

Fortaleza, 1945.