Ceará Selvagem
Rogaciano Leite
Verdes mares bravios de minha terra
natal, onde canta a jandaia nas frondes
da carnaúba.
José de Alencar
FORTALEZA! — Brinco de ouro
Da Terra de Santa Cruz;
Virgem do cabelo louro
Filha do “Berço da Luz”!
Ao ver esta linda praia
Eu tenho doce impressão
De ouvir a voz da jandaia
Junto à choça de Iracema,
Revivendo no seu canto
Os mistérios de uma Taba,
Das praias à Ibiapaba,
Do Araripe à Borborema!
Por esta terra inda exala
Um cheiro de Brasil virgem
Habitado por um povo
De rude e distante origem!
Foram homens de outras eras
Que conviveram com as feras
Em selvagem comunhão;
Raça de extrema rudeza
Nascida com a Natureza,
Criada na Solidão!
Aqui, por estas areias,
Já correram muitos pés…
Estalaram muitos arcos…
Vibraram muitos borés…
Estes garbosos coqueiros
São fantasmas de guerreiros
Que o Tempo não quis matar!
Estas palmeiras delgadas
São índias apaixonadas
Por homens brancos do mar!
Quantos valentes guerreiros
Tombaram nestas areias,
Com o arco — de encontro ao peito,
Com a flecha — de encontro às veias!
Da grande raça de bravos
Jamais nasceram escravos
Antes da palavra — “Herói”;
Seus bravos atos de guerra
Deixaram lendas na terra
Que o Tempo nunca destrói!
Quantos ardentes amores,
Ciúmes, selvagerias
À sombra destas palmeiras,
Sobre as areias macias!
Quantos cabelos compridos
Tocando os ombros despidos
Das filhas da Solidão!
Quanto índio arrogante e moço
Com um jaguar ao pescoço,
Tanga à cinta, arcos à mão!
Oh! Segredos de uma raça
Que alencar tanto bendiz!
Habitantes primitivos
Do nosso vasto país!
Oh! Velhos morubixabas,
Pajés e virgens das Tabas,
Búzios de guerra a gemer…
Destemidos pescadores,
Arrogantes caçadores,
Voltai… Que eu vos quero ver!
Oh! Divertidas malocas
Onde a destreza do pé
Cadenciava os prelúdios
Do festivo PORACÊ!...
Onde as ardentes fogueiras
Fumavam noites inteiras
Num cachimbo de vapor!
Onde o cauim perfumava
Os seios da índia brava
Que palpitavam de amor!...
Ó Iracema formosa,
Deusa da raça praiana!
Teu colo emprestou perfume
Às águas de Mecejana!
Meruoca inda delira…
Maranguape inda respira
Fragâncias do teu calor!
Teu pé trigueiro e pequeno
Sobre o rastro de Moreno
Deixou um cheiro de flor!
Oh! Quantos sonhos de virgem
Na tua alma cabôca!
Quanto sabor de mangaba
Na concha da tua boca!
Teus braços eram roliços
Como os viçosos caniços
À margem fresca do rio…
Teus olhos eram brilhantes
Como os olhos faiscantes
De algum veado bravio!
Tua fileira de dentes
Exprimia tanta alvura
Como um rosário de estrelas
No colo da noite escura!
Tuas mãos eram pequenas,
Bonitas, quentes, morenas.
Macias como os arminhos;
E no vale dos teus seios
O luar, tonto de enleios,
Se desfazia em carinhos!
Os campos guardam segredos
Do teu casto corpo e nu,
Banhado na linfa clara
Da linda Bica de Ipu!
Teu porte inda vive oculto
Na sombra meiga do vulto
Do coqueiro-catolé…
E a areia branca da praia
Ao cair do sol desmaia
Com saudades do teu pé!
Quanta beleza selvagem
No corpo da tabajara!
— Mimosa estátua de carne
Que Alencar imaginara.
A linda virgem do mato
Jamais confiou no recato
A homens de sangue igual;
Só teve um sorriso franco
Para os olhos do homem branco
Das terras de Portugal.
Benditas sejas, ó virgem,
Que teu corpo abandonaste
Ao capricho masculino
Desse homem que tanto amaste!
Naquela noite de lua
Deixaste a cabana tua,
Teu povo entregue ao licor,
Para acompanhar os passos
Do guerreiro em cujos braços
Mataste a sede de amor!...
Quanta tristeza na Taba
Depois que a virgem fugiu!
— Ódio, maldições, blasfêmias
Ao homem que a conduziu…
Quantas cabanas desertas
Ficaram sempre abertas,
Sem nunca alguém as fechar!
Mortos seus donos da guerra,
Elas ficaram na terra,
Da tribo lembrando no lar!
A virgem, cega de amores,
Pra longes terras correu
Ao lado desse homem branco
Que se fez esposo seu;
À sombra de outros coqueiros
Trocou os beijos primeiros
De seu amor conjugal;
Seu corpo, de amor escravo,
Misturou seu sangue bravo
Com o sangue de Portugal.
O beijo de uma selvagem
Deve ter tanta doçura
Como a polpa da mangaba
Quando é colhida madura!
Embora seu sangue bravo
Nos faça lembrar o travo
Da pitanga sem sabor,
— No coração de quem ama
Acende a mais viva chama,
Celebra o mais puro amor!
Salve! Terra de memórias
De uma gente original!
Divina e sublime tela
De um drama sempre imortal!
Cenário das grandes Tabas,
Palco das Morubixabas,
Trono rude de Tupã!
Tua grandeza de outrora
Nunca morreu; vive agora,
Viverá sempre amanhã!
Ceará, 1944.
natal, onde canta a jandaia nas frondes
da carnaúba.
José de Alencar
FORTALEZA! — Brinco de ouro
Da Terra de Santa Cruz;
Virgem do cabelo louro
Filha do “Berço da Luz”!
Ao ver esta linda praia
Eu tenho doce impressão
De ouvir a voz da jandaia
Junto à choça de Iracema,
Revivendo no seu canto
Os mistérios de uma Taba,
Das praias à Ibiapaba,
Do Araripe à Borborema!
Por esta terra inda exala
Um cheiro de Brasil virgem
Habitado por um povo
De rude e distante origem!
Foram homens de outras eras
Que conviveram com as feras
Em selvagem comunhão;
Raça de extrema rudeza
Nascida com a Natureza,
Criada na Solidão!
Aqui, por estas areias,
Já correram muitos pés…
Estalaram muitos arcos…
Vibraram muitos borés…
Estes garbosos coqueiros
São fantasmas de guerreiros
Que o Tempo não quis matar!
Estas palmeiras delgadas
São índias apaixonadas
Por homens brancos do mar!
Quantos valentes guerreiros
Tombaram nestas areias,
Com o arco — de encontro ao peito,
Com a flecha — de encontro às veias!
Da grande raça de bravos
Jamais nasceram escravos
Antes da palavra — “Herói”;
Seus bravos atos de guerra
Deixaram lendas na terra
Que o Tempo nunca destrói!
Quantos ardentes amores,
Ciúmes, selvagerias
À sombra destas palmeiras,
Sobre as areias macias!
Quantos cabelos compridos
Tocando os ombros despidos
Das filhas da Solidão!
Quanto índio arrogante e moço
Com um jaguar ao pescoço,
Tanga à cinta, arcos à mão!
Oh! Segredos de uma raça
Que alencar tanto bendiz!
Habitantes primitivos
Do nosso vasto país!
Oh! Velhos morubixabas,
Pajés e virgens das Tabas,
Búzios de guerra a gemer…
Destemidos pescadores,
Arrogantes caçadores,
Voltai… Que eu vos quero ver!
Oh! Divertidas malocas
Onde a destreza do pé
Cadenciava os prelúdios
Do festivo PORACÊ!...
Onde as ardentes fogueiras
Fumavam noites inteiras
Num cachimbo de vapor!
Onde o cauim perfumava
Os seios da índia brava
Que palpitavam de amor!...
Ó Iracema formosa,
Deusa da raça praiana!
Teu colo emprestou perfume
Às águas de Mecejana!
Meruoca inda delira…
Maranguape inda respira
Fragâncias do teu calor!
Teu pé trigueiro e pequeno
Sobre o rastro de Moreno
Deixou um cheiro de flor!
Oh! Quantos sonhos de virgem
Na tua alma cabôca!
Quanto sabor de mangaba
Na concha da tua boca!
Teus braços eram roliços
Como os viçosos caniços
À margem fresca do rio…
Teus olhos eram brilhantes
Como os olhos faiscantes
De algum veado bravio!
Tua fileira de dentes
Exprimia tanta alvura
Como um rosário de estrelas
No colo da noite escura!
Tuas mãos eram pequenas,
Bonitas, quentes, morenas.
Macias como os arminhos;
E no vale dos teus seios
O luar, tonto de enleios,
Se desfazia em carinhos!
Os campos guardam segredos
Do teu casto corpo e nu,
Banhado na linfa clara
Da linda Bica de Ipu!
Teu porte inda vive oculto
Na sombra meiga do vulto
Do coqueiro-catolé…
E a areia branca da praia
Ao cair do sol desmaia
Com saudades do teu pé!
Quanta beleza selvagem
No corpo da tabajara!
— Mimosa estátua de carne
Que Alencar imaginara.
A linda virgem do mato
Jamais confiou no recato
A homens de sangue igual;
Só teve um sorriso franco
Para os olhos do homem branco
Das terras de Portugal.
Benditas sejas, ó virgem,
Que teu corpo abandonaste
Ao capricho masculino
Desse homem que tanto amaste!
Naquela noite de lua
Deixaste a cabana tua,
Teu povo entregue ao licor,
Para acompanhar os passos
Do guerreiro em cujos braços
Mataste a sede de amor!...
Quanta tristeza na Taba
Depois que a virgem fugiu!
— Ódio, maldições, blasfêmias
Ao homem que a conduziu…
Quantas cabanas desertas
Ficaram sempre abertas,
Sem nunca alguém as fechar!
Mortos seus donos da guerra,
Elas ficaram na terra,
Da tribo lembrando no lar!
A virgem, cega de amores,
Pra longes terras correu
Ao lado desse homem branco
Que se fez esposo seu;
À sombra de outros coqueiros
Trocou os beijos primeiros
De seu amor conjugal;
Seu corpo, de amor escravo,
Misturou seu sangue bravo
Com o sangue de Portugal.
O beijo de uma selvagem
Deve ter tanta doçura
Como a polpa da mangaba
Quando é colhida madura!
Embora seu sangue bravo
Nos faça lembrar o travo
Da pitanga sem sabor,
— No coração de quem ama
Acende a mais viva chama,
Celebra o mais puro amor!
Salve! Terra de memórias
De uma gente original!
Divina e sublime tela
De um drama sempre imortal!
Cenário das grandes Tabas,
Palco das Morubixabas,
Trono rude de Tupã!
Tua grandeza de outrora
Nunca morreu; vive agora,
Viverá sempre amanhã!
Ceará, 1944.