A Voz do Sino
Vicente De Carvalho
I

Tarde triste e silenciosa
De vila de beira-mar:
Uma tarde cor-de-rosa
Que vai morrendo em luar...

(...)

De súbito, rumoreja
Violentamente o ar:
Na torrezinha da igreja
Rompe o sino a badalar.

Ponho-me atento, a escutá-lo:
Que diz, alto e repentino,
Esse bater de um badalo
Num sino?

Badalo que assim badalas
No sino que assim ressoa,
Aves, já nenhuma voa:
Dormem; e vais acordá-las
À-toa...

Vais espantar quanta moça
Aí pelos arredores
Depois de um dia de roça,
De enxada e de soalheira,
Dedica a tarde ligeira
A tarefas bem melhores:

Pelas discretas beiradas
De alguma fonte; fiadas
Na proteção pitoresca
De ramagens, folha, flores;
Que fazem elas? Coitadas,
Bebem, nas mãos, água fresca...
Lavam as caras tostadas...
Ou cuidam dos seus amores...

Badalo que assim badalas
No sino que assim ressoa,
Olha que vais espantá-las
À-toa...

Badalas... E eu que te falo
Não sei e nem imagino
Que pretendes tu, badalo,
A bater, bater no sino.

Talvez convoques à ceia
Pescadores que, lidando,
Nem viram que entardeceu;
Algum se estendeu na areia
A descansar; senão quando,
De cansado adormeceu...

(...)


Publicado no livro Poemas e Canções (1908).

In: CARVALHO, Vicente de. Poemas e canções. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 196