Cantigas (Deixa que eu te fale, deixa)
Vicente De Carvalho
Deixa que eu te fale, deixa
Que o meu verso dolorido
Vá murmurar-te uma queixa
  No ouvido.

Eu te amo tanto... Perdoa!
Por mais que a recalco e esmago-a,
Foge, abre as asas e voa
  A mágoa

Já bastante me atormento
De amar e não ser amado;
E calar é sofrimento
  Dobrado.

Os amores infelizes
— Tristes roseiras sem rosas —
São como aquelas raízes
  Teimosas

Que um vaso estreito encarcera
E que, num sonho constante,
Aspiram à primavera
  Distante:

Crescem, a terra solapam,
E, do vaso que partiram,
Por entre as frinchas escapam,
  Respiram...

Assim o amor sem ventura
— Raiz na terra escondida —
Abafa, anseia, procura
  Saída...

Sei que debalde te estendo
A mão, a mão de mendigo:
Ouves sorrindo o que eu digo
  Gemendo;

Bem sei... E se em voz magoada
Assim te digo que te amo,
Eu que nada espero, e nada
  Reclamo,

É que demais me atormento
De amar e não ser amado,
E calar é sofrimento
  Dobrado.

In: CARVALHO, Vicente de. Versos da mocidade. Porto: Chardron, 1912. Poema integrante da série Avulsas