Natal Diferente
Cândido Velha
I

Catedrais de luz erguidas na cidade.
Neve artificial nas montras com brinquedos.
Soa um Cântico antigo no vento da tarde
que arrefece. Em cada rosto, em cada olhar,
um não-sei-quê de pasmo nesta hora de Natal.

Não é serenidade o que se bebe pelas ruas.
Cinzenta é a cor do céu. Decerto vai chover.
No ambiente superficial
representam-se alegrias.
As notícias nos jornais agravam
o cepticismo deste Natal a haver.

Sinto-me vazio. Lasso. Sem vontade.
Uma grande ternura a boiar dentro de rnirn:
Lástima, piedade, amor pelos humanos?
Mas de que serve comover-me assim?

Vou aceitar este Natal, tal como está.
Com álcool. Com prazer.
Embriagar-me de luz, de sons e de ilusões.
Ser como toda a gente. E possa o mundo arder!

II

Meu Menino Jesus que deves estar no Céu
vem tiritar nas cidades sem calor.
Vem dar realidade a este dia, vem!
— Trinta e três anos e a consciência em flor.
Mas não venhas de fraldas: a Estrela já brilhou.
Traz o corpo macerado, os pulsos perfurados,
uma injúria na boca a quem te adulterou.
Não merecemos mais, acredita. Urgentemente, vem.
Disfarçadamente, para poderes ver
que só no castigo o corpo se dá bem.

Anoitece. A chuva na cidade
quebra um pouco a sofreguidão de amar.
Já pouca gente passa. As luzes no asfalto
espalmam, pouco a pouco, a angústia para o mar.

Vou aceitar este Natal, tal como está.
Com álcool, com prazer.
Embriagar-me de luz, de sons e de ilusões.
Ser como toda a gente. E possa o mundo arder!