As Crianças Indigentes
Rogaciano Leite
A Nação começa a andar
pelos pés das crianças.
Miguel Couto

Noite fria e mortal!... Soluça o vento!...
Entre os lábios do céu — qual branca rosa —
Brilha o riso da lua que floresce…
O silêncio é uma antena de tristeza
Escutando no fundo das choupanas
A tragédia infantil... que o mundo esquece!

Hóstia de luz em cálice azulado,
Bênçãos de amor derrama a lua triste
Sobre os ramos das frondes que espanejam…
Como lábios de luz furando as palhas
Os raios entram no mocambo humilde
E a face magra das criancinhas beijam!

Não são rosas de carne e de esperança!
São farrapos humanos que o infortúnio
Fez nascer de algum ventre desnutrido!
E sobre o lixo de porões nauseosos
Buscam da mãe o seio — a dor secara-o!...
Riso da infância — que se fez gemido!...

Então desmaia a cabecinha débil
No colo magro da mulher faminta
Que a insônia horrível não deixou dormir…
Qual tenro fruto que secou na fronde
O frágil corpo do inditoso anjinho
Espera a morte — que não tarda a vir!

Lá no outro albergue o filho do mendigo
Dorme sonhando que num livro aberto
A linda imagem do Saber cultua…
Mas, quando acorda, vendo em torno a treva,
Procura o livro — tem as mãos vazias!...
Procura a crença — tem a fronte nua!...

Sobre alvas rendas de sedosa alcova
Lá nos palácios as crianças ricas
Dormem cobertas de esperança e amor…
Quanto contraste! No tugúrio infecto
Dorme a inocência num montão de trapos,
Trapos que mancham da inocência a flor!

Pobre menino! É como a flor que nasce
Na escarpa horrível do deserto ingente
Onde não corre o cristalino veio;
O rijo vento da desgraça o leva,
Deixa-o nos charcos — em fusão com os vermes,
Em meio às trevas — pela noite em meio!...

Se “as criancinhas são como aves santas”,
Por que todas não têm a mesma pluma?
Por que as separa desigual destino?
É que o Poder — na estupidez suprema —
Endeusa o bravo com lauréis e estrelas
Mas não vê que esse herói já foi menino!

Homens da Pátria! Desatai dos olhos
A faixa negra dessa triste inércia
Que embuça em crimes o esplendor das leis!
Colhei do pântano esses lírios murchos,
Fazei que possam reviver no Oásis,
E o campo em festas a florir vereis!...

Fortaleza, 1946.