Asas Inúteis
Rogaciano Leite
(À Perlinha)

Se pudesse do ninho da Saudade
Voar minh’alma agora,
E nas asas do sonho e d’ansiedade
Cortar o espaço afora;
Se eu pudesse — rompendo a neve espessa
Que agora desce aqui —
Entre beijos deitar minha cabeça
Embalada por ti;
Se eu tivesse o poder do Pensamento
Que vai para onde quer,
— Mais veloz do que o raio e do que o vento,
Em direção qualquer;
Se eu pudesse levar-te, ó minha amada,
N’ânfora deste amor,
O perfume da terra engrinaldada
De cafezal em flor;
Se eu pudesse num beijo os lábios quentes
Adormecer nos teus,
E sentir os teus olhos penitentes
Bebendo amor nos meus;
Se eu pudesse, nest’hora em vez do frio…
Do frio aqui do Sul,
Sentir o teu calor… calor de estio
Em tarde quente e azul;
Se, como Cristo, — que dum pouco d’água
Fez cântaros de vinho —
Eu pudesse fazer da minha mágoa
Uns rios de carinho…
Se eu pudesse, meu bem, ah! Se eu pudesse!...
Ah! Jamais t’o diria:
Porque antes mesmo, amor, que t’o dissesse,
Realmente o faria!

São Paulo, 19/06/49.