
Versos a uma Judia
À Pérola
(Cenário amazônico)
Como era bom, minha judia pálida,
Aquele tempo em que nós dois. de braços,
Íamos, sós, importunar a selva
Colo palavras de amor jamais ouvidas!
Lembro-me bem: quando teus pés morenos
Tocavam meigos os lascivos ramos
As folhas tontas de emoção caíam…
A ave ligeira que no céu brincava
Curvava as asas pra beijar a rosa
Que trazias pendente do cabelo!
Aqui — o igarapé corria calmo;
Ali — já da cascata a lira branca
Em flexões de cristal partia as cordas!
Dir-se-ia que as correntes preludiosas
Eram vozes gentis de mil pastoras
Musicando as estrofes de Virgílio!
Às vezes, quando o sol sangrando as nuvens
Gotejava clarão na espessa fronde,
Os raios se filtravam na folhagem
E vinham, puros, enfeitar teu rosto!
Aqui, sobre a raiz do tronco rude
Sentávamos a sós, com as mãos unidas
Como dois frutos que nasceram gêmeos;
Depois, quando alguns beijos deliciosos
Misturavam-se à música dos ramos
Em cuja oscilação Deus palpitava,
Erguias te sutil da relva esplêndida
E aos gestos de teu corpo as folhas flácidas
Abriam-te caminho... e eu te seguia!
Éramos dois intrusos da floresta
Onde jamais um par de namorados
Ousara surpreender a terra púbere
Na livre aberração do ineditismo!
Pela primeira vez o tronco adusto,
Majestoso. viril, rijo e impassível
Sentira a sensação do teu vestido
E as dobras finas do meu lenço branco!
Jamais na mata inóspita e fechada
Um pé civilizado erguera um gesto
Perturbando o pudor da terra virgem…
Talvez nem mesmo do arco forte e livre
Uma flecha atrevida e sibilante
Haja insultado a solidão selvática
Onde o Reino dos Séculos começa!
Era a pálpebra verde da Amazónia
Que se abria nas órbitas do mundo
Descobrindo a retina adormecida
No calor do mistério que a envolvia…
E ali — tu no meu braço e na minh’alma —
Qual o jovem Sidartha contemplando
O albor do campo e o riso de Iasodara,
Eu pensava na sorte malograda
Do teu Povo infeliz que há tantos anos
Não tem um berço onde embalar a fronte
Nem um barranco onde firmar o pé!
E vinha-me à lembrança (em plena selva)
A areia ardente do deserto horrível
Confrangida de dor, bebendo o sangue
Da ave ferida a reclamar seu ninho!
Nos olhos negros e no rosto longo
Tu mostravas das filhas do Oriente
Os traços de beleza mais visíveis…
E eu via em teu perfil bem rediviva
A imagem de Judith erguendo a espada
Contra a fúria de um Rei sobre teu Povo!
Encarnavas, no espaço dessas cismas,
Todas as almas das patrícias tuas
Que — vivendo o ideal de dois mil anos —
Enfileiram-se às armas de “Haganah”!
Fervia-me na mente revoltada
Triste idéia de ver tão vasto o mundo
E somente o Judeu não ter direito
De dizer: — “Esta terra é a nossa Pátria!”
Ai! somente o Judeu!... que os outros Povos,
Adorando seu Deus, qualquer que seja,
Não são tolhidos desse santo orgulho!
Que dor maior e que maior desgraça
Que ouvir-se a todo instante: — “Não tens Pátria!
És filho espúrio, no Universo — errante!
Em todo clima onde teus pés arderem,
A terra te dirá: — Corre, maldito!
Vives fora do mundo em qualquer parte!...”
Nunca! não pode a terra em seu quadrante
Negar materno seio ao mesmo filho!
Que enorme crime praticaram eles,
Que as penas infernais de dois mil anos
Não lavaram jamais odienta mancha?!
Que justiça cruel pune tal Povo
Com sentença tão vil? Que Deus é esse
Que nega a própria cela ao criminoso?!
(Até mesmo Caim. depois do crime,
Teve sombras, além, pra seu refúgio!...)
Não! Já sobra desgraça aos desgraçados!
Por que falar-se de Nações Unidas,
Se anda um Povo sem terra e sem direito
De erguer um gesto para o mesmo abraço?...
Que leis são essas, estigmatizadas
Em modelos de infâmia e de ódio eterno
A um povo humano quanto o somos nós?
Rebentem-se os grilhões dessa injustiça
E deixem livres dessa gente os braços
Para as tropas tangerem no deserto!
Dêem-lhe, ao menos, do areal estéril
O calor — por afeto, a luz — por crença,
O céu — por manto e o ar — por liberdade!
Pensando assim, minha judia pálida,
Foi naquela manhã, lá na floresta,
Que encontraste em minh’alma a Terra Santa…
Vive nela, judia! Esta alma é tua!
Fortaleza, 16/03/1948.
(Cenário amazônico)
Como era bom, minha judia pálida,
Aquele tempo em que nós dois. de braços,
Íamos, sós, importunar a selva
Colo palavras de amor jamais ouvidas!
Lembro-me bem: quando teus pés morenos
Tocavam meigos os lascivos ramos
As folhas tontas de emoção caíam…
A ave ligeira que no céu brincava
Curvava as asas pra beijar a rosa
Que trazias pendente do cabelo!
Aqui — o igarapé corria calmo;
Ali — já da cascata a lira branca
Em flexões de cristal partia as cordas!
Dir-se-ia que as correntes preludiosas
Eram vozes gentis de mil pastoras
Musicando as estrofes de Virgílio!
Às vezes, quando o sol sangrando as nuvens
Gotejava clarão na espessa fronde,
Os raios se filtravam na folhagem
E vinham, puros, enfeitar teu rosto!
Aqui, sobre a raiz do tronco rude
Sentávamos a sós, com as mãos unidas
Como dois frutos que nasceram gêmeos;
Depois, quando alguns beijos deliciosos
Misturavam-se à música dos ramos
Em cuja oscilação Deus palpitava,
Erguias te sutil da relva esplêndida
E aos gestos de teu corpo as folhas flácidas
Abriam-te caminho... e eu te seguia!
Éramos dois intrusos da floresta
Onde jamais um par de namorados
Ousara surpreender a terra púbere
Na livre aberração do ineditismo!
Pela primeira vez o tronco adusto,
Majestoso. viril, rijo e impassível
Sentira a sensação do teu vestido
E as dobras finas do meu lenço branco!
Jamais na mata inóspita e fechada
Um pé civilizado erguera um gesto
Perturbando o pudor da terra virgem…
Talvez nem mesmo do arco forte e livre
Uma flecha atrevida e sibilante
Haja insultado a solidão selvática
Onde o Reino dos Séculos começa!
Era a pálpebra verde da Amazónia
Que se abria nas órbitas do mundo
Descobrindo a retina adormecida
No calor do mistério que a envolvia…
E ali — tu no meu braço e na minh’alma —
Qual o jovem Sidartha contemplando
O albor do campo e o riso de Iasodara,
Eu pensava na sorte malograda
Do teu Povo infeliz que há tantos anos
Não tem um berço onde embalar a fronte
Nem um barranco onde firmar o pé!
E vinha-me à lembrança (em plena selva)
A areia ardente do deserto horrível
Confrangida de dor, bebendo o sangue
Da ave ferida a reclamar seu ninho!
Nos olhos negros e no rosto longo
Tu mostravas das filhas do Oriente
Os traços de beleza mais visíveis…
E eu via em teu perfil bem rediviva
A imagem de Judith erguendo a espada
Contra a fúria de um Rei sobre teu Povo!
Encarnavas, no espaço dessas cismas,
Todas as almas das patrícias tuas
Que — vivendo o ideal de dois mil anos —
Enfileiram-se às armas de “Haganah”!
Fervia-me na mente revoltada
Triste idéia de ver tão vasto o mundo
E somente o Judeu não ter direito
De dizer: — “Esta terra é a nossa Pátria!”
Ai! somente o Judeu!... que os outros Povos,
Adorando seu Deus, qualquer que seja,
Não são tolhidos desse santo orgulho!
Que dor maior e que maior desgraça
Que ouvir-se a todo instante: — “Não tens Pátria!
És filho espúrio, no Universo — errante!
Em todo clima onde teus pés arderem,
A terra te dirá: — Corre, maldito!
Vives fora do mundo em qualquer parte!...”
Nunca! não pode a terra em seu quadrante
Negar materno seio ao mesmo filho!
Que enorme crime praticaram eles,
Que as penas infernais de dois mil anos
Não lavaram jamais odienta mancha?!
Que justiça cruel pune tal Povo
Com sentença tão vil? Que Deus é esse
Que nega a própria cela ao criminoso?!
(Até mesmo Caim. depois do crime,
Teve sombras, além, pra seu refúgio!...)
Não! Já sobra desgraça aos desgraçados!
Por que falar-se de Nações Unidas,
Se anda um Povo sem terra e sem direito
De erguer um gesto para o mesmo abraço?...
Que leis são essas, estigmatizadas
Em modelos de infâmia e de ódio eterno
A um povo humano quanto o somos nós?
Rebentem-se os grilhões dessa injustiça
E deixem livres dessa gente os braços
Para as tropas tangerem no deserto!
Dêem-lhe, ao menos, do areal estéril
O calor — por afeto, a luz — por crença,
O céu — por manto e o ar — por liberdade!
Pensando assim, minha judia pálida,
Foi naquela manhã, lá na floresta,
Que encontraste em minh’alma a Terra Santa…
Vive nela, judia! Esta alma é tua!
Fortaleza, 16/03/1948.