Rogaciano Leite

Tarde de Maio

Rogaciano Leite
(Ao poeta e amigo Régis Velho)

Há tantas flores no campo…
Tanta luz banhando o céu…
Tanta folha nos caminhos…
Tantas nuvens na amplidão…
Tanto queixume nas fontes…
Tanto pipilo nos ninhos…
Tanto sol dourando os montes…
Tanto amor no coração!...

A tarde azul se espreguiça
Num gesto mole de noiva
Que os lábios do noivo — o dia —
Cansou de tanto beijar…
Deslizam folhas caídas
Num passamento de orgia
Lentamente retorcidas
Dançando um fox pelo ar!

Andorinhas doidivanas
Vestindo um robe de penas
Numa acrobacia louca
Vão encontrar o arrebol;
Num deslumbramento vago
A terra morna abre a boca
Para beber de um só trago
Todos os beijos do sol!

Borboletas bailarinas
Com seus vestidos de seda
Vão se exibindo vaidosas
Num movimento fugaz…
Os tresloucados insetos
Batendo as asas lustrosas
Em viravoltas, inquietos,
Quebram do silêncio a paz!

Urna confusão de vozes
Vai correndo pelo espaço
Sob um céu todo grisalho
Corno a barba dum ancião;
Tremem flores na campina
Coroadas pelo orvalho
Como dentes de platina
Na boca verde do chão!

Tremulam ramos vestidos
Num “crochet” feito de folhas
Que os dedos da brisa tecem
Num delicado arrepio…
Entre a festa das ramadas
Pela encosta as águas descem
E vão rolar, desmaiadas,
Beijando os lábios do rio.

Os passarinhos boêmios
Numa festança indiscreta
Fazem lunch de mosquitos
No pendão do milharal;
Os urubus enlutados
Vagam pelos infinitos
Como viúvos privados
da ventura conjugal!

No espelho branco dos lagos
O sol vaidoso se inspira
Desenrolando um novelo
De linhas feitas de raio;
A tarde — noiva saudosa —
Desmaia num pesadelo
Sob a cortina cheirosa
Das horas brancas de maio!

Pela voz da lavadeiras
Se desfia uma saudade
Que corre assustando as águas
Ao som de estranha canção…
As alvas bolhas de espuma
Parecem restos de mágoas
Que vão rolando, uma a uma,
Das fontes do coração!

O horizonte circunspecto
Corno alfaiate das nuvens
Vai costurando uma saia
Para vestir a cidade;
E enquanto a noite aparece
E o rosto do sol desmaia,
O mundo reza uma prece
Na Extrema-Unção da Saudade!

Saudade! Pedra de gelo
Que cai sobre o coração
Pra conservar a lembrança
Daquilo que a gente quer…
LEMBRANÇA! Língua de espinho
Que na boca da ESPERANÇA
Pronuncia bem baixinho
O nome... de u’a mulher !

Caruaru, 1944.