Almeida Garrett

O Album

Almeida Garrett
Minha Júlia, um conselho de amigo;

Deixa em branco este livro gentil:

Uma só das memórias da vida

Vale a pena guardar, entre mil.


E essa n’alma em silêncio gravada

Pelas mãos do mistério há-de ser;

Que não tem língua humana palavras,

Não tem letra que a possa escrever.


Por mais belo e variado que seja

De uma vida o tecido matiz ,

Um só fio da tela bordada,

Um só fio há-de ser o feliz.


Tudo o mais é ilusão, é mentira,

Brilho falso que um tempo seduz,

Que se apaga, que morre, que é nada

Quando o sol verdadeiro reluz.


De que serve guardar monumentos

Dos enganos que a esp’rança forjou?

Vãos reflexos de um sol que tardava

Ou vãs sombras de um sol que passou!


Crê-me, Júlia: mil vezes na vida

Eu coa minha ventura sonhei;

E uma só, dentre tantas, o juro,

Uma só com verdade a encontrei.


Essa entrou-me pela alma tão firme,

Tão segura por dentro a fechou,

Que o passado fugiu da memória,

Do porvir nem desejo ficou.


Toma pois, Júlia bela, o conselho:

Deixa em branco este livro gentil,

Que as memórias da vida são nada,

E uma só se conserva entre mil.