Natal
Augusto Casimiro
1

A voz clamava no Deserto.

E outra Voz mais suave,
Lírio a abrir, esvoaçar incerto,
Tímido e alvente, de ave
Que larga o ninho, melodia
Nascente, docemente,
Uma outra Voz se erguia...

A voz clamava no Deserto...

Anunciando
A outra Voz que vinha:
Balbuciar de fonte pequenina,
Dando
À luz da Terra o seu primeiro beijo...
Inefável anúncio, dealbando
Entre as estrelas moribundas.

2

Das entranhas profundas
Do Mundo, eco do Verbo, a profecia,
- À distância de Séculos, - dizia,
Pressentia
Fragor de sismos, o dum mundo ruindo,
Redimindo
Os cárceres do mundo...

A voz dura e ardente
Clamava no Deserto...

Natal de Primavera,
A nova Luz nascera.
Voz do céu, Luz radiante,
Mais humana e mais doce
E irmã dos Poetas
Que a voz trovejante
Dos profetas
Solitários.

3

A divina alvorada
Trazia
Lírios no regaço
E rosas.
Natal. Primeiro passo
Da secular Jornada,
Era um canto de Amor
A anunciar Calvários,
A impor a Esperança
À Terra amargurada,
Às horas dolorosas
Aos Gólgotas de dor
Da longa travessia.
- Seriam sangue
Redentor
As rosas.
Os lírios
Aleluia.