Horas Vivas
Machado de Assis
Noite: abrem-se as flores...
          Que esplendores!
Cíntia sonha amores
          Pelo céu.
Tênues as neblinas
          Às campinas
Descem das colinas,
          Como um véu.

Mãos em mãos travadas,
          Animadas,
Vão aquelas fadas
          Pelo ar;
Soltos os cabelos,
          Em novelos,
Puros, louros, belos,
          A voar.

— “Homem, nos teus dias
          Que agonias,
Sonhos, utopias,
          Ambições;
Vivas e fagueiras,
          As primeiras,
Como as derradeiras
          Ilusões!

— Quantas, quantas vidas
          Vão perdidas,
Pombas mal feridas
          Pelo mal!

Anos após anos,
          Tão insanos,
Vêm os desenganos
          Afinal.

— “Dorme: se os pesares
          Repousares,
Vês? – por estes ares
          Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
          E lascivas,
Somos – horas vivas
          De dormir!” –

Machado de Assis, in 'Crisálidas'