
Carinéia
A porta fronteira de tosca choupana,
Vestida de chita, cabelos ao ar,
Eu vi Carinéia cismando, medrosa,
Ouvindo nas águas o barco apitar…
A tarde caía qual trêmula pluma
Que o vento arrancasse de um leque macio;
E os olhos oblíquos da rude cabocla
Perdiam-se longe... nas águas do rio.
Que tanto lembrava saudosa e tão triste
A indígena moça que um branco esposou?
Talvez os seus dias felizes da aldeia
Que em meio à floresta distante ficou!
Nas matas espessas, de troncos anosos,
As margens escuras do Rio Purus,
Feliz e liberta viveu Carinéia
Perante caboclos robustos e nus.
Vibrava seu remo nas águas barrentas,
Banhava-se alegre na fresca lagoa
E tinha nos seios o cheiro da relva
Nas noites errantes — dormidas à toa.
Um dia, da aldeia sutil se aproxima
Um homem vestido de calça e blusão;
Bigode comprido, punhal sobre a cinta,
O rifle empunhado, cartuchos à mão!
Ligeiro bulício na Taba Selvagem
De súbito agita nativos ferozes…
Mas ante o homem branco se põe Carinéia,
Gentil, defendendo-o das flechas velozes.
Quem era esse intruso que os bugres malvados
Disposto enfrentava — buscando aventuras…
— Um bravo cearense que andava perdido
Colhendo seringa nas matas escuras!
Andava perdido, sozinho, doente…
Não tinha assistência... não tinha ninguém…
Faliram-lhe as forças — perante um inseto —
E as áureas promessas — faliram também!
A um gesto somente da virgem selvagem
Recua o Cacique, reflete o Pagé;
Arreiam-se os arcos, declinam-se as lanças,
Impõe-se o silêncio... ninguém bate o pé!
…………………………………………………
Passaram-se os dias... vieram as flores…
À noite, no espaço projeta-se a lua…
Distante, nas águas, fugindo, a canoa
Desliza... resvala… navega... flutua…
Quem vai dentro dela? Quem — mão sobre o leme —
Procura, distante, feliz encalhar?
Dois vultos unidos murmuram na proa,
Banhados no riso do branco luar!...
…………………………………………………
Passaram três anos… E à porta fronteira
De rude cabana, vizinha ao palmar,
Eu vi Carinéia vestida de chita,
Sozinha, medrosa, vencida, a cismar…
Que é feito daquele viril nordestino
Que um dia, iludido, pro Norte emigrou?
Ao lado de um tronco branqueiam seus ossos…
Em meio à floresta seu drama findou!...
Bem antes que a sorte sequer o deixasse
Rever as campinas da terra natal,
A morte o colhera, na selva, esquecido…
E os homens nem viram que história fatal!
Agora… que pode fazer Carinéia?
Coitada! descrente! que sorte que tem!
É tarde… não pode voltar para a aldeia
Nem pode — no rancho — viver sem ninguém!
Fortaleza, março de 1948.
Vestida de chita, cabelos ao ar,
Eu vi Carinéia cismando, medrosa,
Ouvindo nas águas o barco apitar…
A tarde caía qual trêmula pluma
Que o vento arrancasse de um leque macio;
E os olhos oblíquos da rude cabocla
Perdiam-se longe... nas águas do rio.
Que tanto lembrava saudosa e tão triste
A indígena moça que um branco esposou?
Talvez os seus dias felizes da aldeia
Que em meio à floresta distante ficou!
Nas matas espessas, de troncos anosos,
As margens escuras do Rio Purus,
Feliz e liberta viveu Carinéia
Perante caboclos robustos e nus.
Vibrava seu remo nas águas barrentas,
Banhava-se alegre na fresca lagoa
E tinha nos seios o cheiro da relva
Nas noites errantes — dormidas à toa.
Um dia, da aldeia sutil se aproxima
Um homem vestido de calça e blusão;
Bigode comprido, punhal sobre a cinta,
O rifle empunhado, cartuchos à mão!
Ligeiro bulício na Taba Selvagem
De súbito agita nativos ferozes…
Mas ante o homem branco se põe Carinéia,
Gentil, defendendo-o das flechas velozes.
Quem era esse intruso que os bugres malvados
Disposto enfrentava — buscando aventuras…
— Um bravo cearense que andava perdido
Colhendo seringa nas matas escuras!
Andava perdido, sozinho, doente…
Não tinha assistência... não tinha ninguém…
Faliram-lhe as forças — perante um inseto —
E as áureas promessas — faliram também!
A um gesto somente da virgem selvagem
Recua o Cacique, reflete o Pagé;
Arreiam-se os arcos, declinam-se as lanças,
Impõe-se o silêncio... ninguém bate o pé!
…………………………………………………
Passaram-se os dias... vieram as flores…
À noite, no espaço projeta-se a lua…
Distante, nas águas, fugindo, a canoa
Desliza... resvala… navega... flutua…
Quem vai dentro dela? Quem — mão sobre o leme —
Procura, distante, feliz encalhar?
Dois vultos unidos murmuram na proa,
Banhados no riso do branco luar!...
…………………………………………………
Passaram três anos… E à porta fronteira
De rude cabana, vizinha ao palmar,
Eu vi Carinéia vestida de chita,
Sozinha, medrosa, vencida, a cismar…
Que é feito daquele viril nordestino
Que um dia, iludido, pro Norte emigrou?
Ao lado de um tronco branqueiam seus ossos…
Em meio à floresta seu drama findou!...
Bem antes que a sorte sequer o deixasse
Rever as campinas da terra natal,
A morte o colhera, na selva, esquecido…
E os homens nem viram que história fatal!
Agora… que pode fazer Carinéia?
Coitada! descrente! que sorte que tem!
É tarde… não pode voltar para a aldeia
Nem pode — no rancho — viver sem ninguém!
Fortaleza, março de 1948.