Rogaciano Leite

A Bordo do “Rio-Mar”

Rogaciano Leite
(Recomposição de um improviso, por ocasião de um recital do autor, a bordo do navio “Rio-Mar”, em pleno Rio Amazonas).

Noite calma... a lua branca
Solta confetes de luz
Na fantasia tremente
Da caudal que nos conduz…
Ao beijo amável da brisa
O barco na água desliza
Discreto como o luar;
E entre a selva adormecida
Vai nossa alma embevecida
A bordo do “Rio-Mar!”

O timoneiro, robusto,
Roda o leme… no convés…
Prateia o céu nossa fronte,
Canta o rio aos nossos pés!
A vaga é lira de prata
Que sobe na serenata
E vem a popa beijar…
Os nautas entoam cantos.
Da vida esquecendo os prantos
A bordo do “Rio-Mar!”

O vento solfeja um hino
Na selva, na solidão,
Como um verso de saudade
Cantado no coração!
À margem da ribanceira
Ergue-se a samaumeira
Soltando plumas pelo ar…
No céu estrelas em bando
Parecem noivas sonhando
A bordo do “Rio-Mar!”

Insetos de asas douradas
Passam zumbindo na proa
Como pedaços de jóias
Perdidos, luzindo à toa…
Neutralizando os archotes
Beija a lua os camarotes
Vendo a inocente sonhar;
Célia dorme — alma de rosas —
Vivendo as horas ditosas
A bordo do “Rio-Mar”.

Longe... na franja das águas
Vai descendo um remador…
O rio é um jardim sem folhas
Onde a canoa é uma flor!
Solitária tripudia
A vela branquinha, fria,
Sentindo o vento vibrar!
E ante este cenário lindo
Vamos cantando e sorrindo
A bordo do “Rio-Mar!”

Roubando ao céu da Amazônia
O silêncio e a virgindade,
Na gávea o mastro imponente
Desafia a imensidade!...
O Pavilhão Brasileiro
Que o vento açoita ligeiro,
Ei-lo em cima a tremular…
Saudosa, olhando o Minguante,
A moça pensa no amante
A bordo do “Rio-Mar!”

Aonde vamos? Quem sabe!...
O destino não nos diz!...
Que importa, se a noite é calma
E a vida amena e feliz?...
Na varanda a rede armada
Pela brisa fustigada
Parece querer voar…
Voar... nas asas do vento…
Trêmula… branca... ao relento…
A bordo do “Rio-Mar!”

Que painel!... Parece um filme!...
Água… céu... floresta… amor…
A Natureza é mais forte…
Deus parece inda maior!...
Abisma-se a alma nos sonhos
Gozando instantes risonhos,
— Que é belo rir e cantar —
E a vida é calma e tão doce
Como se Deus também fosse
A bordo do “Rio-Mar!”...

25 de janeiro de 1948.